Recentemente escrevi um artigo para o blog da Opus Software comparando as Blockbuster e Netflix – que neste segundo trimestre de 2015 está atingindo a marca de 65 milhões de usuários no mundo. O artigo ilustra bem as mudanças que o uso de cloud computing (sem o que o serviço do Netflix não existiria) e o uso inteligente de big data podem trazer em segmentos de mercado até consagrados e relativamente sólidos – como era o da Blockbuster.
Abaixo os mais recentes dados de usuários Netflix no mundo:
Fonte: Statista[1]
[1] Statista – Netflix – http://www.statista.com/chart/3153/netflix-subscribers/
O surgimento de cloud computing viabilizou a união de marketing e Big
Data em atividades inimagináveis até alguns anos atrás.
Sou um feliz usuário do NETFLIX. Pago um valor fixo relativamente baixo,
mensalmente, e tenho milhares de filmes à minha disposição. Vejo esse
filmes a hora que quero, quando quero. Revejo. Pulo, volto. Mudo. Tenho
liberdade total. Se não gosto do que estou vendo, troco.
O sistema que está por trás também vai analisando as minhas manias e
preferências, para não falar das idiossincrasias. Acaba me sugerindo para
ver isto ou aquilo, de acordo com o meu perfil de demanda. Não acerta
sempre, mas acerta a maioria das vezes – e isso me dá mais um bom motivo
para continuar pagando a assinatura mensal. A percepção que tenho é que o
serviço me entrega muito mais do que eu pago, gerando um valor maior que o
esperado por mim. Por mim e pelos meus familiares, pois cada um tem seu
perfil de demanda.
Outra coisa que me encanta é a memória do sistema. Paro de ver quando
quero, volto quando me der na veneta – e posso continuar do ponto em que o
deixei. Posso voltar cenas interessantes, avançar em momentos chatos, com
uma precisão muito maior que o vai e vem de vídeos tradicionais (eu venho
do tempo das fitas de vídeo, passei pelos CDs de vídeo e até pelos DVDs
Blue Ray). O NETFLIX é melhor.
Este artigo não é para fazer apologia do NETFLIX (não estou recebendo nada
para isso). Trabalhei muitos anos com franquias, como diretor de marketing
e operações de rede, depois como consultor de franchising. Conheci um pouco
mais de perto a operação da Blockbuster, que custava, a dinheiro de hoje,
cerca de R$ 1 milhão de reais para quem quisesse investir num ponto da
rede, aqui no Brasil. Fora as despesas iniciais de operação e marketing,
até a loja vingar, que poderiam com facilidade elevar os investimentos a
cerca de R$ 2 milhões antes de começar a produzir retornos, que eram cada
vez mais lentos. É óbvio que para as lojas se rentabilizarem começaram a
vender de tudo, amendoim, caneta, bala, etc. Ou faziam cobrandings com
outras franquias de modo a compartilhar custos de aluguel e outras despesas
fixas. A Blockbuster Inc. foi a maior rede de locadoras de filmes e
videogames no mundo. Sua sede ficava na Renaissance Tower, no centro da
cidade de Dallas, Texas, nos Estados Unidos. Não sobreviveu. Suas ações na
bolsa americana valem o simbólico 1 cent de dólar (
NASDAQ/BLIAC
). Já cada ação da Netflix vale hoje US$ 330 ( NASDAQ/NLFX
). A empresa entregou cerca de 20 bilhões de horas de conteúdo para mais de
50 milhões de consumidores em mais de 40 países no ano de 2013. E chegou ao
final de 2014 valendo nada menos que US$ 20 bilhões (
confira
).
O modo antigo de distribuição
Para a garotada que já nasceu digital, o modelo Blockbuster é algo
inimaginável – como o de todas as videolocadoras que então existiam. Era
necessário se deslocar até um ponto físico. Pegar um material (antigamente
uma fita, depois um disco) físico, levar para casa, colocar num dispositivo
de leitura físico que só tinha aquela finalidade (reproduzir vídeos). Só
podia ficar um, dois, em geral no máximo 3 dias – senão levava uma multa
escorchante, além do aluguel que também era uma extorsão, principalmente de
títulos recém lançados. Era necessário correr e devolver o material físico,
para não levar multa. A esperança matemática da loja era que, voltando,
você teria naquele momento um tempo precioso para ficar escolhendo novos
títulos e realimentando este processo puramente paranoico. O que não era
verdade: as fitas ou DVDs eram devolvidos no caminho de alguma coisa: do
trabalho, da escola dos filhos, de forma que não havia em geral tempo para
novas escolhas e perpetuação da paranoia de forma automática. Você escolhia
novos títulos, com uma certa alegria, quando tinha tempo para fazer isso.
Como em geral você tinha mais tempo nos fins de semana, como todos outros
clientes, quando escolhia um título novo e interessante muitas vezes
acontecia que já não tinha mais estoque da mídia física, porque outros
alugaram antes que você. Inferno. Você entrava numa lista de espera. Alguém
telefonava avisando que já tinha estoque, em geral em dias e momentos
totalmente inapropriados para você ir até a loja e alugar. Com isso a
locadora também perdia vendas e diferia receitas.
O marketing na época era centrado no ponto de venda, mostrando novos
títulos, incitando os visitantes a repactuarem aluguéis curtos. Eu várias
vezes, incentivado pelos cartazes locais, aluguei filmes que nunca tive
tempo de ver e, pior, acabei devolvendo-os depois do prazo regulamentar,
por não ter tido tempo sequer de devolve-los a tempo. Ou seja, paguei – e
caro – pelo que não vi. O que gerava, claro, uma enorme frustração. Como
consumidor, sempre me sentia mal, desleixado e “fora de esquadro”.
O perfil de um sistema ideal para conduzir os negócios à moda antiga
Toda esta introdução foi para falar de sistemas. Naqueles tempos, se uma
empresa locadora visitasse uma empresa de desenvolvimento de software na
busca de um sistema melhor para administrar o conjunto dos pontos de venda,
centralizadamente, e também dar uma ferramenta descentralizada para os
pontos de venda, o briefing seria mais ou menos assim:
– “Precisamos de um sistema que nos permita enxergar (melhor) a rede de
pontos de venda. E que, nos pontos de venda, além das tarefas de controle
de entrada e saída de filmes, carteira de clientes, nos dê informações
sobre o giro de cada título. Permitindo calcular ROIs individuais de
títulos adquiridos e nos dando uma visão das preferências por categoria de
filmes (terror, ação, ficção, aventura etc.…). Estatísticas de títulos mais
alugados, categorias mais alugadas, faturamento por título, faturamento por
categoria etc. – de forma a orientar melhor nossas decisões de compra e
futuras ofertas na rede de pontos de venda”.
Nesse modelo, por mais que se quisesse o contrário, os clientes eram
cliente da loja e depois da marca. O franqueador, quando existia, tinha
pouca ou nenhuma informação e poder de influência sobre os clientes de cada
ponto de venda. Certamente foram desenvolvidos sistemas muito bons que
atendiam bem a todos esses requisitos.
O novo modelo de distribuição: digitalizando o business
Aí apareceu uma coisa chamada “nuvem”, que ninguém sabia ao certo o que
era. Mas certamente alguns sabiam mais do que os outros. Aí apareceu ideia
de que seria possível distribuir conteúdos não através de meios físicos,
mas através da nuvem, usando tecnologias de data streamer. Que poderiam ser
carregados em quaisquer dispositivos capazes de reproduzir um simples
vídeo, neste caso, recebidos através da internet, não na sua totalidade,
mas no que interessava. Se o carregamento do dispositivo local estivesse um
pouquinho avançado em relação ao tempo real de visualização do usuário, o
filme poderia ser visto sem interrupções, mesmo que a velocidade de conexão
oscilasse. Alguém enxergou isso, num determinado momento.
Como a nuvem é elástica, poderia entregar o mesmo conteúdo a um ou a
milhares de pessoas simultaneamente, sem prejuízo da “leitura” local dos
vídeos. Sem dependência de qualquer mídia física. Pronto, estava feita a
revolução: qualquer vídeo, a qualquer momento, para qualquer número de
usuários, de um a dezenas de milhares. Não importa. Os custos de
transmissão variariam exatamente de acordo com a curva da demanda. A curva
da demanda poderia estar garantida por aluguéis fixos – mensalidades – que
cobririam o custo médio mensal das demandas. Estava configurado um novo
modelo de negócio. Com vantagens adicionais para a ponta dos clientes: sem
deslocamento físico para alugar e devolver, sem multas, sem dores de
qualquer espécie. Está pagando? Está garantindo um faturamento recorrente?
Ótimo! Pode ver o que quiser, quantas vezes quiser, o tempo que quiser. No
tempo de lazer que cada consumidor tem – e não no “tempo de aluguel”.
Desesperada e empresarialmente, alguém tentava fazer o ponto de venda
físico girar mais e melhor. Ao mesmo tempo, com a mesma perspectiva, alguém
tentava entregar um mesmo conteúdo digital, com eficácia e qualidade, onde
quer que fosse requisitado.
O perfil de um sistema ideal para conduzir os negócios digitalizados
Voltando a falar de sistemas, agora, esta empresa operando em nuvem teria
requisitos de sistemas completamente diferentes para tocar “o mesmo tipo de
business”, que foi transformado digitalmente, de forma absoluta:
– “Precisamos de um sistema que nos permita enxergar (melhor) a totalidade
de nossos clientes (não há mais pontos de venda) e atende-los na sua mais
absoluta individualidade. Não precisamos mais controlar entrada e saída de
filmes: precisamos de indicadores completamente novos sobre o que é
assistido, quantas vezes, por quem, dentro de um núcleo de assinatura. Não
precisamos mais saber do giro: precisamos saber sobre títulos abandonados,
títulos revistos, títulos vistos parcialmente. Em que linguagem. Com ou sem
legenda. E em que fusos horários. Em que condições de download da Internet.
Olhando cada acesso como uma oferta de um produto específico. Comparando o
seu custo à sua receita, gerando um ROI por titulo e também por acesso.
Gerando estatísticas dos mais vistos, dos nunca vistos etc. – de forma a
orientar melhor nossas decisões de compra e futuras ofertas para toda rede
de usuários. Ajudando a individualizar as ofertas de cada acesso de forma
cada vez mais adequada ao perfil de cada usuário – não com base em dados
demográficos ou socioeconômicos – e sim de acordo com seu perfil efetivo de
utilização. “
Marketing e big data: uma nova perspectiva para a condução dos negócios
A quantidade de informações (dados brutos) obtiveis quando o produto é
entregue digitalizado, via nuvem, é absurdamente alta. Isso é,
essencialmente, um caso de Big Data. Muitos, muitos dados, com ausência
quase completa de informação sintética. Para produzir as respostas que os
envolvidos com marketing e negócios precisam, é preciso “mastigar” milhões
de informações disponíveis, de forma analítica – e não mais dezenas de
milhares, a partir de informações individuais de cada usuário. A capacidade
analítica vem agora da sintetização de dados que a transformação digital
propicia – o que não é tarefa elementar para qualquer empresa, mas passa a
ser essencial. Este é um campo novo e que certamente vai contar com a ajuda
de Cientistas da Informação, uma mistura de estatístico com administrador
de empresas, voltado para novos negócios e marketing.
Se a empresa “inovadora” aprender a trabalhar com Big Data como aprendeu a
trabalhar com Cloud Computing, passará a ter informações que ninguém tem ou
imagina que seriam possíveis. Acesso total a todos os usuários da rede e a
todas as suas idiossincrasias de uso. Por mais loucas que elas sejam. Elas
não são loucas, na verdade: elas são reais – e nunca poderiam ter sido
descortinadas, capturadas, com os antigos sistemas. Jamais seriam captadas
nos modelos mais antigos que meramente registravam quem alugava ou quem não
alugava determinados títulos e por quanto tempo. Eram – de fato –
informações muito, muito pobres. Que ajudavam a conduzir os negócios. Mas
não permitiam revolucioná-los. Muito menos digitalmente transformá-los.
O casamento de Cloud Computing com a análise de Big Data, resumidamente,
potencializa um tipo de marketing que nunca pôde ser executado no passado.
E que agora começa a ser a diferença que faz a diferença entre as empresas.
Para mim, o marketing nunca mais será o mesmo. Nem ao menos parecido, para
tudo que possa ser digitalizado e feito de forma diferente do que era no
passado.
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